Especialistas discutem impactos e soluções para a judicialização da saúde no Brasil - Imprensa - Poder Judiciário de Santa Catarina
Evento no TJSC aborda o desafio de garantir acesso à saúde sem comprometer o sistema
- Fonajus Itinerante
O seminário “O Direito e a Saúde: Repensando a Judicialização”, promovido pela Academia Judicial (AJ) em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital SOS Cárdio, começou nesta quinta-feira, 20 de março. As palestras ocorreram na Sala de Sessões Ministro Teori Zavascki, na sede do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), em Florianópolis. O evento, que termina nesta sexta-feira (21), reúne magistrados, médicos, gestores de saúde, representantes de órgãos reguladores e pesquisadores.
Na abertura, o presidente do TJSC, desembargador Francisco Oliveira Neto, destacou a importância de compreender a judicialização da saúde para além da simples decisão judicial. Segundo ele, o papel da magistratura não se resume a julgar, mas também a entender a complexidade dos conflitos e contribuir para soluções racionais e eficazes.
“A decisão judicial, por si só, não basta. Ela precisa ser acompanhada de uma atuação inteligente do Estado para garantir a efetividade do direito à saúde”, afirmou. O presidente citou sua experiência de mais de 30 anos na magistratura e lembrou que, no passado, a simples aplicação do artigo 196 da Constituição – que garante a saúde como direito de todos e dever do Estado – parecia suficiente para embasar decisões. No entanto, o tempo demonstrou que a realidade é mais complexa.
Segundo Oliveira Neto, é necessário qualificar ainda mais as decisões relativas à saúde a partir de informações técnicas consolidadas. Por isso a interação entre magistrados, profissionais da saúde e gestores públicos é tão importante.
Essa interação, aliás, é um dos escopos da AJ, uma das organizadoras do evento. Em sua manifestação, o desembargador Luiz Felipe Schuch, diretor-executivo da Academia, enfatizou que a judicialização deveria ser o último caminho, a exceção à regra. Como essa não é a realidade, torna-se necessário e urgente encontrar novos caminhos.
“O sistema de saúde pública reclama um olhar especial, comprometido e inovador, não apenas por parte dos gestores públicos e privados, mas também pelo sistema de Justiça, de modo a ampliar os horizontes na busca por uma correta compreensão deste complexo ambiente, habilitando a bem julgar os litígios que eclodem acerca desse tema”, disse Schuch.
Nesse mesmo sentido foi o pronunciamento do presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital SOS Cárdio, Sérgio Lima de Almeida. Ele destacou a preocupação com o aumento exponencial da judicialização da saúde. Para ele, o que antes era um mecanismo excepcional para garantir direitos fundamentais tornou-se, em muitos casos, um atalho indiscriminado, sem o devido embasamento técnico.
Por exemplo: foram registrados 854 mil processos judiciais referentes à saúde em 2024, um aumento de 12% em relação ao ano anterior. Santa Catarina, por exemplo, destinou R$ 830 milhões apenas para cumprir decisões judiciais, sendo R$ 713 milhões exclusivamente para medicamentos, com 60% voltados para tratamentos oncológicos. Registrou-se ainda o crescimento da judicialização na saúde suplementar, com aumento de 27% em 2024.
“O que vemos não é apenas um aumento no número de ações, mas uma verdadeira banalização da via judicial como resposta a qualquer demanda por tratamentos, medicamentos ou procedimentos médicos”, alertou Sérgio. Se continuar nesse ritmo, segundo ele, há risco iminente de um colapso do sistema.
'Judicialização não é um problema'
Na sequência, a conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Daiane Nogueira de Lira proferiu a palestra principal da parte da manhã, na qual abordou a crescente judicialização da saúde e os desafios enfrentados pelo sistema de Justiça. “A judicialização da saúde não é um problema”, afirmou a conselheira. “O problema é que ela se transformou numa epidemia.”
Outro ponto abordado foi a necessidade de fundamentação técnica nas decisões judiciais sobre saúde. A recente adoção das Súmulas Vinculantes 60 e 61 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que juízes devem considerar evidências científicas antes de conceder tratamentos e medicamentos. O Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário (NatJus), cuja ampliação em Santa Catarina foi anunciada nesta semana, é essencial nesse processo.
“Justiça e ciência devem andar juntas. O Judiciário não pode conceder tratamentos sem evidências sólidas. A medicina baseada em evidências é um pilar fundamental para decisões seguras e racionais”, afirmou Daiane. Ela também anunciou a criação de um sistema que utilizará inteligência artificial para integrar informações técnicas e jurídicas, agilizando a análise dos processos de saúde.
Ainda na parte da manhã, foi realizada a mesa-redonda “Boas Práticas de Justiça e Saúde", da qual participaram o professor e advogado José Luiz Toro da Silva, o pesquisador Janio Gustavo Barbosa e o juiz federal Clênio Jair Schulze.
A mesa de abertura do evento foi composta, além dos citados, pela presidente da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC), Janiara Maldaner Corbetta; pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), desembargador Fernando Quadros da Silva; e pelo juiz-corregedor Rafael Mendes Barbosa.
NatJus no TJSC
No primeiro dia do seminário “Direito à Saúde – Repensando a Judicialização”, nesta quinta-feira, 20 de janeiro, que integra o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, no programa Fonajus Itinerante, a juíza auxiliar da Presidência Maira Salete Meneghetti palestrou no período da tarde sobre o NatJus (Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário) no TJSC. A presidente de mesa foi a desembargadora do TJSC Vera Lúcia Ferreira Copetti.
A magistrada lembrou que o Judiciário catarinense assinou pela manhã contrato com a Fundação Médica do Rio Grande do Sul/Telessaúde, do Rio Grande do Sul, para emitir as notas técnicas nos processos relacionados à saúde. A instituição de pesquisa já desenvolve a mesma atividade no Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) e Justiça Federal no Rio Grande do Sul (JFRS). Com esse convênio, o Natjus passará a ser gerido pelo Judiciário catarinense e ampliará de 22 para 112 comarcas.
“O Natjus vem para dar suporte no momento mais delicado do processo, porque recebemos a inicial com apenas uma versão e com o pedido de urgência. Estamos decidindo sob pressão sobre um tema que não dominamos porque não somos médicos, e o Natjus chega para dar esse suporte técnico. Isso dará sustentação para decisões mais qualificadas em função dos fundamentos científicos. Inicialmente, o Natjus atenderá as ações da saúde pública e em que o Estado for parte, mas queremos ampliar para a saúde suplementar num segundo momento”, anotou a juíza auxiliar da Presidência.
Com a publicação das Súmulas Vinculantes 60 e 61 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que se referem aos Temas 1234 e 6, os quais consolidam as diretrizes para análise e concessão de medicamentos de alto custo e incorporados ou não ao Sistema Único de Saúde (SUS), há novas determinações para o tratamento da judicialização da saúde. A partir dessa normativa, todas as decisões judiciais em processos da área da saúde precisam de notas técnicas.
“Com o Natjus, a gente espera mais celeridade e segurança nas decisões, melhor gestão no acervo dos processos, eficiência na gestão dos recursos públicos para a saúde, redução das despesas com a judicialização da saúde e melhores condições de subsidiar e orientar políticas públicas. Para isso, estamos pesando qual será o melhor modelo do Núcleo de Justiça 4.0 que implantaremos no Judiciário catarinense para especializar as decisões de saúde”, completou a magistrada Maira Meneghetti.
Na sequência, a juíza Candida Inês Zoellner Brugnoli coordenou a mesa-redonda do seguinte tema: “O papel dos atores do sistema de saúde”. O bate-papo contou com o conselheiro Luiz Eduardo Cherem, do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC); com Bruno Sobral de Carvalho, do CNSaúde; e com a diretora jurídica do Hospital Albert Einstein, Rogéria Leoni Cruz.
Na palestra “Projeto Quero-Quero - 8 Anos sem Judicialização em Medicina de Alto Custo”, o coordenador de mesa foi o diretor-executivo da Academia Judicial do TJSC, desembargador Luiz Felipe Schuch. O palestrante foi o médico e professor da Unisul Sérgio Lima de Almeida. Por fim, o desembargador Rubens Schulz presidiu a mesa da palestra “O futuro da saúde suplementar no Brasil”, que foi proferida pelo presidente da Abramge (Associação Brasileira dos Planos de Saúde), Renato Casarotti. No país, 52 milhões de pessoas têm plano de saúde.