Voltar TJ disponibiliza discurso do desembargador João Henrique Blasi (1º/11) em inteiro teor

Em atenção ao pedido do presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, desembargador Altamiro de Oliveira, cuja cerimônia de posse ocorreu no fim da tarde da última quarta-feira (1º/11), o TJ disponibiliza o discurso de despedida proferido por seu antecessor, desembargador João Henrique Blasi, que segue transcrito abaixo em seu inteiro teor:

Discurso do desembargador João Henrique Blasi - 1º/11/2023

Inicio meu pronunciamento refazendo a saudação primeira de que lancei mão no discurso de posse, em 2 de fevereiro de 2022.

“ − Bendita seja a terra que o mar abraça e recorta em ilhas e onde as montanhas sobem, galgando o céu, na ânsia de respirar os ares do infinito!

[...]                                      

− Bendita seja a Terra de Luiz Delfino e de Victor Meirelles, a arte no ritmo e a arte na cor!

− Bendita seja a Terra de Cruz e Sousa e de Anita Garibaldi, a arte no símbolo e a arte no heroísmo!

− Bendita seja a Terra que, até no nome é Santa! Santa Catarina!!! (do coestaduano Edmundo da Luz Pinto rememorado pelo cronista Sérgio da Costa Ramos).”

Benditos e bem-vindos sejam todos que se encontram presencialmente, neste recinto, assim como os que assistem remotamente este ato solene, nesta tarde que já caminha plácida para os braços do crepúsculo, velho e atento porteiro da noite.

Como escrito no Livro Sagrado: “na vida há tempo para tudo.”

Tempo de plantar e tempo de colher,

Tempo de nascer e tempo de crescer,

Tempo de chegar e tempo de partir,

Tempo de começar e tempo de concluir.

É o que ocorre hoje com o meu tempo à frente do Poder Judiciário da Santa e bela Catarina. Está findo, concluiu-se.

E por que?

Por duas razões: uma, a celebração, outra, o reconhecimento.

A celebração da fraternidade e da harmonia ao propiciar, dentro do próprio mandato, sem solução de continuidade, sem retrocesso, sem imposições, que companheiros de jornada ascendam a outros postos no contexto do Corpo Diretivo deste Tribunal.

E o reconhecimento a esses mesmos companheiros, por suas longevas, dessemelhantes e profícuas jornadas, destacadamente o reconhecimento a Altamiro de Oliveira.

Altamiro, filho do Sr. Alamiro de Oliveira, militar da reserva, aqui presente, e de D. Maria de Lourdes, servidora aposentada do Poder Judiciário de SC, também aqui presente, cresceu nesta região da nossa Capital, nas cercarias do Tribunal de Justiça, do qual foi servidor efetivo, fez-se Juiz, palmilhou os quatro cantos do Estado, sobretudo os campos de Lages, voltou, promoveu-se a Desembargador, exerceu a 3ª VP e, neste biênio, a 1ª Vice-Presidência desta Corte e, merecidamente, chega, agora, à Presidência, com definitividade.

Há quem possa cogitar do caráter efêmero dessa investidura, a esses, no entanto, não custa relembrar que a importância das coisas e das causas não está na demora com que elas acontecem, mas na intensidade com que são vividas.

E, não tenhamos dúvida, o Desembargador Altamiro, como sempre, será intenso. Muito intenso!

No resgate da história do Poder Judiciário barriga-verde, tarefa a que nos dedicamos, deparamo-nos com um outro episódio de renúncia, protagonizado pelo Presidente Francisco Tavares da Cunha Mello Sobrinho, nos idos de 1931, tendo como razão de ser o fato de o Governador, então General Interventor, haver açambarcado a competência legal que era do Desembargador-Presidente, de nomear um Ajudante de Escrivão.

Da irresignação com essa conduta, que lhe retirou competência própria, sobreveio o gesto de renúncia, como ato de protesto contra a interferência indébita, maculadora da independência do Judiciário Estadual.

Pois bem. A esse primeiro ato de destemor, de apreço a um valor inegociável como o é a independência do Poder Judiciário, praticado há 92 anos, sobrevém agora um segundo episódio de renúncia, mas também não de renúncia-desistência, não de renúncia-abandono, mas, como disse, há pouco, de renúncia-celebração, de renúncia-reconhecimento.

Ainda a propósito de celebração, permito-me a inconfidência de mencionar que, graças ao clima de harmonia e de fraternidade coletivamente construído, podemos festejar o fato de que, na eleição do mês de dezembro vindouro, para a composição do Corpo Diretivo do próximo biênio, também logramos obter unânime entendimento.

Registro que essa harmonia interna veio se consolidando espontaneamente ao longo do tempo, que supera quaisquer adversidades, mercê da convergência de propósitos, não de unanimidade forçada, tampouco da soma de meras adesões.

Apenas num devaneio egocentrista haveria ensejo para cogitar como sendo de autoria própria um trabalho decorrente da construção generosa e solidária de muitos, não somente em intenção, mas sobretudo em resultados, em entregas.

Fique, então, gravada a minha imorredoura gratidão aos demais 95 Desembargadores e Desembargadoras, aos 447 Juízes de 1º Grau, a todos os Servidores do Judiciário barriga-verde, uma força de trabalho expressiva, qualificada e comprometida, de cerca de 12 mil pessoas que se constitui no maior ativo dessa notável instituição atenta à modernidade, à inovação, à tríade ESG, à integridade na sua gestão, ao acolhimento, cumprindo, com exatidão e escrúpulo, sua missão institucional de “dar a cada um o que é seu” no âmbito de cada qual dos 3 milhões de processos que por aqui tramitam e bem desempenhando seus notáveis Programas Sociais.

Na Justiça muito se fala em “produtividade”, conceito imbricado com o aspecto quantitativo, mas também com o aspecto qualitativo, as duas faces do grande desafio do Judiciário contemporâneo.

Antes de tudo, porém, a produtividade é um conceito que adquire, cada vez mais, um sentido de humanidade.

Humanidade, na medida em que a produção ou prestação jurisdicional pode, por vezes, significar a diferença entre a matrícula escolar e o analfabetismo, entre o fornecimento de medicação essencial e o comprometimento da saúde, entre a efetividade de uma política pública fundamental e a total desassistência, no limite, entre a vida e a morte.

Uma das marcas contemporâneas é a mensuração da velocidade com que as coisas acontecem.

Em quase tudo, e para quase tudo, afere-se a velocidade. Então, se questionados formos sobre a velocidade do Judiciário catarinense, poderemos responder, com pleno grau de certeza, certificada pela jurimetria (estatística aplicada à atividade forense), que é de 287 processos por hora.

Repito: a cada hora 287 processos são julgados em SC, uma superlativa produtividade fruto da atuação, reafirmo, dos nossos Servidores e dos nossos Magistrados.

Zelamos para que, como advertido pelos expoentes da Bossa Nova (Vinícius e Toquinho), na canção “Sei lá ... [a vida tem sempre razão]”, “a hora do sim” jamais tenha sido um “descuido do não”, e a hora do não tenha sido sempre motivada pela firme convicção de que não caberia, naquele caso, a aposição de um sim.

Foram muitos “sim”, neste sentido: na seara remuneratória, por exemplo, fez-se Justiça, mormente a velhos servidores, ameaçados de sensível déficit estipendiário, nos estertores de sua carreira ou já na inatividade.

Siglas pouco conhecidas como VPNI e URV fizeram a diferença para muitas vidas.

O ingresso de 745 novos Servidores, a instalação de 20 unidades jurisdicionais, de uma nova Comarca, a investidura de 16 Novos Juízes Substitutos, são dados, en passant, que bem se afeiçoam à prestação de contas devida por todo gestor público ao fim de sua jornada.

Recorrendo, uma vez mais, ao cancioneiro popular, invoco Djavan, com sua “Esquinas”, onde assentou: “Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar”. Muitas vezes assim se sentem os gestores. Limitados. Querendo, tendo que dar, mas não tendo como fazê-lo. É a hora do não.

Concluindo, enuncio alguns mantras que caracterizaram nossa gestão:

− Justiça é gênero de primeira necessidade, como o são, também, saúde, educação e segurança.

− É preciso ter senso (vírus) de urgência, afinal compacta é a duração do mandato, mas também é preciso sensibilidade para que o urgente não obstaculize o importante.

− Como prevenido pelo Padre Antônio Vieira, não se deve ser “nem temeroso, nem temerário”.

E o último e mais singelo de todos: “aqui estamos para resolver casos, não para criar casos”.

Simples assim!

O grande mestre da política nacional, Ulysses Guimarães, cunhou um pensamento que em tudo se identifica com a minha visão de mundo.

Disse ele: “É para as pessoas (para cada pessoa), na fugacidade de sua vida, mas na grandeza de sua singularidade como ser universal, que devem voltar-se as instituições da sociedade”.

Bem por isso, a dimensão humana constituiu-se na pedra angular desta gestão.

Permito-me (agora sim concluir), com a letra do fado “Foi Deus”, composto por Alberto Janes e imortalizado por Amália Rodrigues:

...

Foi Deus

Que deu luz aos olhos

Perfumou as rosas

Deu ouro ao sol

E prata ao luar

...

E pôs as estrelas no céu

E fez o espaço sem fim

...

Foi Deus

Que deu voz ao vento

Luz ao firmamento

E deu o azul às ondas do mar

...

Fez poeta o rouxinol

Pôs no campo o alecrim

Deu as flores à primavera

Ai, e deu-me [...] voz a mim” 

Deu voz a mim e a todos quantos compõem o Poder Judiciário barriga-verde para que, com energia, mas sem aspereza, para que com rigor, mas sem exclusão da sensibilidade, para que, com altivez, mas sem arrogância, para que, com paciência, mas sem passividade, para que, com tolerância, mas sem transigência indevida, militássemos firmemente no Direito para a realização da Justiça.

Imagens: Divulgação/TJSC
Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

Copiar o link desta notícia.