Cevid e mulheres indígenas lançam cartilhas guarani e kaingang sobre Lei Maria da Penha - Imprensa - Poder Judiciário de Santa Catarina
- Violência Doméstica
"O Deus gerou a takuarinha,
por isso quando nasce a bebê menina o pai
faz um Takuapu'i (taquara sonora) ou Ajaka'i (cestinha).
Nhanderu gerou takuarinha,
para ser o símbolo das mulheres Guaranis,
por isso, nós mulheres temos que ser bem cuidadas pelos homens,
não foi em vão que Nhanderu mandou nós pra Terra.
Nosso corpo é sagrado, se não for bem cuidado
a takuarinha seca, é desse modo,
que nos sentimos quando ficamos feridas por fora e na alma."
Escrito em guarani, esse texto conduz o povo indígena a uma publicação de 28 páginas que explica de forma didática e acessível o que é a Lei Maria da Penha e o que caracteriza a violência contra a mulher.
Junto com mulheres representantes dos povos guarani, kaingang e xokleng, a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica (Cevid), do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), lançou na manhã desta quarta feira (16/8) a cartilha sobre a Lei Maria da Penha em versão bilíngue.
O lançamento foi realizado durante o 5° Acampamento Terra Livre Sul (5º ATL Sul), que reúne nesta semana representantes de povos indígenas dos três estados do sul do país. O ATL ocorre na comunidade Itaty, no morro dos Cavalos, em Palhoça. As duas versões entregues hoje são em guarani-português e kaingang-português. A previsão é que a cartilha direcionada ao povo xokleng seja finalizada nas próximas semanas, quando também ficará pronta para o início de sua distribuição.
A cerimônia contou com o depoimento das mulheres que participaram do trabalho de tradução das cartilhas e de outras líderes dos povos guarani, kaingang e xokleng. Houve momentos de grande emoção. Representantes da Cevid participaram do lançamento da cartilha - a juíza Naiara Brancher e as servidoras Cibelene Piazza Ferreira e Michelle de Souza Gomes Hugill.
A magistrada agradeceu à organização do ATL pela oportunidade de participar do evento com o lançamento da cartilha. "Nasceu nossa cartilha, e já está nas últimas semanas de gestação a cartilha xokleng. Para mim, ela é simbólica, pois mostra que não é uma mulher só que enfrenta a violência doméstica. Essa mulher não é sempre a mesma - existimos com nossas diversas especificidades, que precisam ser olhadas dentro de nossas diferenças e respeitadas dentro dessas diferenças", destacou.
A Cevid, para contextualizar, firmou termo de cooperação técnica com o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul para desenvolver o projeto Lei Maria da Penha e as Mulheres Indígenas no âmbito de Santa Catarina. A ideia da cartilha surgiu em uma reunião no ano passado. A partir daí, a equipe da Cevid iniciou o diálogo com as lideranças indígenas, intermediado pelo Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepin/SC). O conselho foi importante parceiro na articulação com os povos para a tradução da cartilha.
Na sequência, foram promovidas rodas de conversas com todas as etnias presentes em Santa Catarina. No Estado, vivem aproximadamente 14 mil indígenas dos povos guarani, xokleng e kaingang. São 57 aldeias e três mil famílias distribuídas em 20 municípios.
Depoimentos:
"No momento que a gente fez a tradução, a preocupação era transmitir para os homens e para os adolescentes, através da língua, a importância da prevenção, para que a lei não venha a punir os indígenas. Depois de ver a cartilha pronta, conseguimos enxergar que ela vai além disso. É um material que vamos utilizar em sala de aula, também para trabalhar com as crianças o fortalecimento da língua. Quando eles tiverem uma namorada ou esposa, eles vão tratá-la com o respeito que tratam uma irmã ou uma mãe. O machismo ainda é muito forte nas terras kaingang. Creio que esse trabalho será bem recebido dentro da aldeia indígena Toldo Imbu, e vai ser muito bem aceita nas outras terras indígenas também."
Sandra de Paula Santos, presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepin/SC)
"Foi uma honra fazer a tradução da cartilha em língua guarani. Foi importante para mim realizar esse trabalho. É informação que vai orientar tanto os homens como as mulheres guarani para entender melhor como é a Lei Maria da Penha, e o que a gente precisa fazer quando está sofrendo violência."
Mariza de Oliveira, representante do Tekoá Itanhaém (aldeia Morro da Palha, em Biguaçu), tradutora da cartilha para o guarani
"Vou levar isso para minha terra indígena, minha aldeia xokleng, porque é muito importante. O que passamos hoje dentro da terra indígena Laklãnõ/Xokleng não é pouca coisa. Temos que entender as leis, brigar todos juntos pelos nosso direito, para que nossas mulheres não sejam mais violentadas."
Antonia Konheco Pate, cacique da aldeia Koplag (José Boiteux), da terra Laklãnõ/Xokleng
"Há dois anos, nossa terra sofreu com a violência contra a menina Daiane Griá Sales, parente nossa. Ela tinha apenas 14 anos, foi estuprada e morta - literalmente dilacerada. Criamos nosso GT a partir dessa crueldade, discutindo a violência contra a mulher indígena. É uma violência que acontece desde 1500, e é histórica. Iniciativas como essa cartilha são muito bem-vindas."
Larissa Kaingang, representante da terra indígena do Guarita (RS) e da Mobilização de Mulheres Indígenas Kaingang - GT Guarita pela Vida
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)