'Ninguém é dono da verdade': a visão do Des. João Henrique Blasi sobre justiça e poder  - Imprensa - Poder Judiciário de Santa Catarina

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Voltar 'Ninguém é dono da verdade': a visão do Des. João Henrique Blasi sobre justiça e poder 

Ex-presidente do TJSC revisita sua trajetória na política e na magistratura no Projeto Memórias 

14 Março 2025 | 16h51min
  • Perfil

– O senhor militou na advocacia, foi secretário de Estado em duas ocasiões, deputado estadual por quatro mandatos consecutivos, hoje é desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, onde foi vice-presidente e presidente. Além disso, assumiu o governo do Estado interinamente. De qual das experiências gostou mais? 

– Esta, talvez, seja a pergunta mais difícil de responder. Cada atividade que se desenvolve tem suas nuances, suas características, seus aspectos positivos e também algo de negativo. 

João Henrique Blasi, o homem dos três poderes, é o novo entrevistado do Projeto Memórias, iniciativa dedicada a registrar em vídeo e em texto a trajetória dos ex-dirigentes e servidores da Justiça catarinense. O projeto é coordenado pela Diretoria de Gestão Documental e Memória (DGDM) em parceria com o Núcleo de Comunicação Institucional (NCI), ambos do TJSC. 

Na entrevista, realizada na Biblioteca Desembargador Marcílio Medeiros, na sede da Corte, o ex-presidente compartilhou passagens importantes da carreira e as lições que aprendeu. O material foi lançado hoje no YouTube.  


 

Tanto para a construção deste perfil quanto para a entrevista em vídeo, suas respostas foram claras e precisas, no tom certo, inclusive quando confrontado com perguntas incômodas. 

– Além de sofrer pelo Figueirense, o que o senhor faz quando não está trabalhando? 

Ele ri e responde de bate-pronto. 

– Torço também pelo Flamengo, que é só alegria, e assim mantenho o equilíbrio das emoções esportivas. 

Apesar das emoções e dos 68 anos, o cabelo ainda não está totalmente branco. A barba, bem aparada e feita em casa, está. No dia da entrevista ele usava um terno azul-escuro, camisa azul-clara e gravata listrada, ligeiramente torta, em tons de azul e branco — as cores do Avaí. Na lapela do paletó, um discreto botton com o símbolo da Justiça catarinense.   


 

No futebol, além de torcedor, foi também jogador. Em Florianópolis, no início dos anos 1960, jogava à noite com os amigos atrás do Teatro Álvaro de Carvalho (TAC), numa época sem tantos carros e quase sem violência. Já adulto, fez parte de um grupo que jogava semanalmente, mas a carreira de atleta amador foi interrompida quando sofreu uma ruptura do ligamento cruzado anterior. Problema ainda não resolvido, que se prolonga no tempo. Este ano terá que operar o joelho. 

No tempo livre, gosta de ver televisão: programas esportivos, de entrevistas, jornalísticos. Antes via muita novela, agora não mais. Gosta de livros de ficção e jurídicos. Ainda lê os jornais. Faz tempo que não vai ao cinema. 


 

Ele não se recusa a falar da vida pessoal, mas se sente mais à vontade quando o papo é sobre a vida profissional. 

– O que é justiça, desembargador? 

– Justiça é dar a cada um o que é seu de direito. O dilema do magistrado, o belo dilema, é extrair, no ruído do processo e dos advogados que defendem seus clientes, o silêncio da verdade. E, pela verdade das provas, proferir a decisão mais adequada. Isso é justiça. 

O amor pelo Direito vem da família, especialmente do pai, Paulo Blasi, e do tio, Aluizio Blasi. Começou cedo, como estagiário, no escritório da família. Depois de concluir graduação em Administração de Empresas pela Udesc e em Direito pela UFSC – onde também fez mestrado em Direito Público, mas sem defender a dissertação –, militou na advocacia. 

Filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e engajou-se na primeira eleição direta para governador do Estado desde os anos 1960. Fez campanha para Jaison Barreto, derrotado por Esperidião Amin (PDS) por uma pequena diferença de votos. 


 

No entanto, na eleição seguinte, em 1988, o MDB chegou ao poder. Blasi tornou-se secretário de Estado da Justiça e Cidadania no governo Pedro Ivo Campos — tinha 32 anos. Eram os primeiros anos pós-ditadura, o país respirando liberdade e imbuído de esperança com a proclamação da Constituição Cidadã. 

Do governador Pedro Ivo, falecido durante o exercício do mandato, em 1990, guarda lições importantes e uma frase que o acompanhou ao longo da carreira: “Existem pessoas que ocupam cargos e pessoas que exercem cargos”. Em outras palavras, o cargo não é o fim, mas o meio. 

À frente da secretaria, comandou o primeiro censo penitenciário de Santa Catarina e lançou um amplo programa de laborterapia, intitulado "Recuperação através do trabalho", em parceria com empresas privadas. A iniciativa possibilitou a profissionalização de muitos detentos. 

Na década seguinte, em 1995, foi eleito deputado estadual pela primeira vez – conquistaria quatro mandatos consecutivos. Ao falar daquele tempo e comparar com os dias de hoje, lembra com ironia de uma frase de Ulysses Guimarães: “Pior que esta legislatura, só a próxima”. 


 

Assumiu a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão em 2003, a convite do governador Luiz Henrique da Silveira, por quem nutre indisfarçável admiração. “Era um homem incansável, um apaixonado pela política, pela arte da conciliação”. 

Gosta de citar frases do ex-governador em suas manifestações públicas, e assim o fez também na entrevista. “Muitas vezes, mais vale a palavra não do que a não palavra”, dizia Luiz Henrique, falecido em 2015. Como secretário, Blasi fez a integração das instituições que à época compunham a segurança pública: Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Técnica e Detran. 

Integração pressupõe – e estimula – a capacidade de dialogar, qualidade que o ex-presidente do TJ parece ter cultivado ao longo dos anos. 

– Assim como no Executivo, minha passagem pela Assembleia me mostrou que ninguém é dono da verdade. A experiência de conviver com os contrários, de apresentar minha posição e ouvir a contraposição, foi muito importante. Consegui, de alguma forma, aplicar essa vivência aqui no Tribunal. 

Chegou ao Tribunal de Justiça em 2007. Integrou a 4ª Câmara de Direito Comercial e, na sequência, a 2ª Câmara de Direito Público, da qual foi presidente. Presidiu ainda o Grupo de Câmaras de Direito Público. 

Tomou posse como 1º vice-presidente do TJSC em 2020 e, dois anos depois, chegou à presidência. Durante sua gestão, adotou mantras que orientaram as ações do corpo diretivo: "Justiça é gênero de primeira necessidade"; "Estamos aqui para resolver casos, não para criar casos". 

– São bons slogans, desembargador. 

– São convicções. 

Programas sociais idealizados e desenvolvidos pelo Judiciário catarinense ganharam notoriedade durante sua gestão. O programa Lar Legal, que regulariza propriedades em comunidades informais já consolidadas pelo tempo, concedeu 9.350 títulos de propriedade em apenas dois anos. O programa Novos Caminhos alcançou tanta repercussão que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu implementá-lo em todos os estados da Federação. 

Sua gestão criou e implementou o Acerta SC, um sistema de cobrança pré-processual inédito no país que tenta resolver um dos grandes desafios enfrentados pelo PJSC: a judicialização da cobrança de créditos tributários. Hoje, dos três milhões de processos que tramitam na Justiça catarinense, 30% são relativos à execução fiscal, o que torna Santa Catarina o terceiro Estado do Brasil com mais ações desse tipo, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro.  


 

O propósito do programa é deixar a Justiça mais ágil e ainda mais eficiente e, além disso, aumentar a receita dos municípios, reduzindo despesas do Judiciário e diminuindo o acervo de processos. 

O segundo princípio – "Estamos aqui para resolver casos, não para criar casos" – reflete a postura de alguém que prioriza o diálogo em vez do confronto. Com a habilidade dos bons ouvintes e a capacidade de convencimento, Blasi abraçou e resolveu uma antiga demanda dos servidores e articulou a sucessão da gestão — e não esconde o orgulho do feito. 

– Graças ao clima de harmonia e de fraternidade coletivamente construído, podemos festejar o fato de que logramos obter unânime entendimento na composição do corpo diretivo que nos sucedeu. 

Faltando três meses para completar o mandato, renunciou ao cargo. Em seus 133 anos, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina havia registrado apenas a renúncia do presidente Francisco Tavares da Cunha Mello Sobrinho, no início dos anos 1930, inconformado com a interferência indevida do governador interventor. 

– Minha renúncia não foi desistência, não foi renúncia-abandono, mas renúncia-celebração, renúncia-reconhecimento – disse Blasi na solenidade de posse do sucessor, o desembargador Altamiro de Oliveira. A renúncia já havia sido combinada dois anos antes. Não era segredo.  

Ele completou: 

– Há quem possa cogitar o caráter efêmero dessa investidura. A esses, no entanto, não custa relembrar que a importância das coisas e das causas não está na demora com que elas acontecem, mas na intensidade com que são vividas. E, não tenhamos dúvida, o desembargador Altamiro, como sempre, será intenso. 

Blasi acertou a previsão. O desembargador Altamiro deu continuidade ao trabalho da gestão e, em apenas três meses, realizou uma série de ações importantes, algumas delas inéditas no Brasil, como a instalação da Vara Regional de Garantias. Mas esse é o tema do próximo capítulo do Projeto Memórias, que será lançado em abril.   


 

O Projeto Memórias é uma iniciativa da Divisão de Memória e Biblioteca em parceria com o Núcleo de Comunicação Institucional.  

Coordenação  

Tathiana Nogueira Mendes Carlin  

Lília Lacerda da Silva  

Pesquisa

Silvana Pisani  

Jaqueline dos Santos Amaral  

Entrevista  

Fernando Evangelista 

Jaqueline dos Santos Amaral  

Texto e edição do perfil  

Fernando Evangelista  

Coordenador do Núcleo de Comunicação Institucional  

Francis Silvy Rodrigues 

Diretor da Diretoria de Gestão Documental e Memória 

Ricardo França   

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